Qualidade Vivida

terça-feira, 31 de março de 2015

O último abraço de muitos

Chuva que lava o meu momento
Vento que leva o instante
Já foi... e a saudade chegou...
No intervalo vivo sonhando
Foi apenas o último abraço de muitos que acolherão meu corpo

quarta-feira, 25 de março de 2015

A escolha da escola

"Será que é possível criar essa escola, uma escola que seja alegre, prazerosa? Ou a escola tem que ser o serviço militar obrigatório aos sete anos?" ROCHA, Tião

Li hoje essa epígrafe na rede social de um amigo. Fiquei com ela... Ela foi comigo para todos os lugares que eu estive, quando ela não podia entrar comigo, a deixava esperando e depois saíamos juntas novamente.
Lembrei da escolha das escolas em que minhas filhas frequentaram e mesmo não tendo sido muitas, nós (eu e o pai delas) escolhemos as escolas que mais se aproximavam dos nossos discursos com elas...
Uma das orientações que costumo dar aos clientes que estão em busca de colégio para seus filhos é de que busquem o colégio que tenha uma ação pedagógica próxima do seu discurso em casa. E lembre-se de que é comum acharmos que não existe a escola perfeita para nossos filhos. Incorporado isso, meio caminho andado.
Um erro muito comum entre os pais é a afirmação deles para seus filhos de que "a escola é chata, mas é necessária". É absolutamente importante que a criança sinta alegria em ir para a escola, desde o primeiro dia. O incentivo dos pais é fundamental para que a criança se sinta segura e feliz com aquela nova experiência, desde o primeiro dia. Ao escolher a escola do filho, leve-o junto. Deixe-o visitar o ambiente que ele irá frequentar, mas a escolha deve ser do adulto, que é capaz de discernir o que é melhor para o seu filho, naquele momento. Obviamente, a aquiescência dos pequenos é muito importante, até porque são eles que viverão naquele ambiente. Crianças precisam sentir a segurança dos pais nos lugares que frequentarão sem a presença deles. Se não se sentir seguro para deixar seu filho, não deixe. Aprenda a ouvir o que o seu coração está dizendo e atenda-o.
Outra questão bacana para ser avaliada é de que à escola cabe ensinar a ler, escrever e contar, mas em minha opinião, mais valioso que isso é o fato de que ela socializa! Qualquer criança está pronta para aprender, quando está livre de patologias impeditivas, evidente. O papel da escola transcende o da aprendizagem. Quanto mais tempo a criança puder passar na mesma instituição melhor, desde que esta esteja contemplando o que a família espera dela. Completar ciclos numa mesma instituição auxilia o fortalecimento dos vínculos afetivos com os amigos. É na escola que passamos a maior parte do nosso tempo útil, brincando, recebendo valores novos, convivendo... É na escola que nos misturamos com as diferenças e aprendemos, além de ler, escrever e contar, a interpretar, analisar, pontuar, realizar e transcender os nossos objetivos. É lá, inclusive, que aprendemos a ser "gente grande" e construimos muitos dos nossos sonhos de futuro.
A escola foi uma das maiores invenções do ser humano para nos ajudar a viver em sociedade.
Eu apresentei às minhas filhas o meu amor à escola e elas iniciaram esse amor em escola pública! Valeu cada segundo da confiança que depositei inicialmente na creche do Instituto de Educação do Rio de Janeiro. Problemas? Muitos, mas nada substituiu a oportunidade que elas tiveram em lidar com as diferenças... Sou árdua defensora da escola pública. Mas se você não tem a oportunidade de proporcionar ao seu filho a experiência de vivenciar a educação em uma escola pública, que a particular seja a sua escolha e não a do seu vizinho, a da sua família ou a do seu melhor amigo...
Vamos lá... confie... você consegue...

sexta-feira, 20 de março de 2015

Sobre o projeto terapêutico "Educação Construída"

"Sou uma jardineira! Gosto de cuidar de gente desde o processo de plantio..."
(CB)

O que é?

Exatamente aquilo que o nome sugere: a construção da educação, porém, da nossa própria educação, assistida e facilitada por um interlocutor devidamente capacitado em termos de formação acadêmica e de vida.
Ao nascermos, recebemos dos nossos "pais"* os valores que eles acreditam que são os melhores para nós. Aprendemos a ler o mundo com o olhar deles, e aos poucos vamos construindo nosso próprio código de valores. Quando a base é forte, ela fica entranhada em nós e nem sempre nos damos conta disso. O que acontece? Repassamos ao mundo, muitas vezes, aquilo que não nos pertence e que supostamente defendemos como "verdade".
A Educação Construída nos ajuda a olhar estes valores e pensarmos sobre eles nas nossas ações cotidianas, tornando-nos capazes de transformarmos a nossa realidade.


Como?
Através de encontros semanais, de 60 minutos, onde a fala é o instrumento principal do cliente, mas apenas uma ferramenta para o seu interlocutor, que observa todo o processo, e ocupa o lugar da fala com propostas de vivências de diversas naturezas, inclusive a da fala. A leitura do facilitador acontece desde o momento em que o cliente chega a ele para o encontro. Os movimentos corporais, o discurso oral e escrito, tudo é avaliado e compartilhado com o cliente nos dez minutos finais da sessão.
Escolhi como approach um dos métodos usado pela minha terapêuta Celina Gavino, que foi uma das grandes responsáveis pelo meu processo de transformação, bem como, uma forte figura de incentivo para a criação desse método. Qual seja, entender que o cliente que retorna a consulta já não é mais o mesmo, portanto, a cada consulta recebo o mesmo diferente cliente.

Quem é o facilitador?
Ele é um interlocutor desse processo. Este interlocutor é um profissional da Educação, com formação em filosofia e/ou psicologia.

Por que um Educador?
O Educador é aquele profissional cuja formação acadêmica é pedagogia. O pedagogo é aquele que acompanha o outro no processo de aprendizagem. Eu afirmo que a aprendizagem é tanto mais saborosa quando o conhecimento que ele adquire sobre o que deseja está incorporado em sua vida, ou faz sentido na sua aspiração de vida futura. Abrir o caminho para permitir a aprendizagem sobre qualquer coisa que seja do interesse do cliente é tarefa que o pedagogo competente desempenha com muita habilidade e sensibilidade. O interlocutor auxilia no processo de (des)coberta dos valores do cliente, facilitando o processo de encontro dele com ele mesmo, para que ele seja capaz de fazer escolhas que aumentem a sua potência de agir, no mundo. Quando eu reconheço os meus valores de base, eu sou capaz de saber identificar o que eu quero e o que não quero para a minha vida, tornando-me potente para criar novos valores ou simplesmente acolher como meus aqueles que eu recebi e julgo pertinente em meu percurso.
Não existe o bom ou mau valor, mas aquele que é melhor na vida de cada um. O respeito aos valores trazidos e posteriormente escolhidos por cada cliente é ponto fundamental para a transformação do processo ético.

O que é a ética e o que é a moral, neste trabalho?
A ética é a forma como cada um de nós está e age no mundo. A moral são os códigos que incorporamos para estarmos e agirmos no mundo. A ética diz respeito a minha ação no mundo, independente dos valores que eu aprendo ou incorporo. Porém, só é tratada como ética quando a minha ação é entendida e capaz de ser explicada e defendida por mim, mesmo que fira os padrões da sociedade vigente - neste caso, tenho que ser capaz de responder pelos meus atos, em conformidade com as regras impostas pela sociedade.
Em toda ação ética existe o componente moral, posto que vivemos em sociedade. O mais importante é que saibamos responder por nossas escolhas, independente dos valores imputados pela sociedade. Costumo dizer que a pessoa ética não precisa de um código moral para ditar as regras de como deve ser a sua vida, posto que ela sabe o que é ou não melhor para ela.

Por que é terapêutico?
O termo "terapêutico" se origina na Grécia, usado para designar os escravos que eram uma espécie de enfermeiros encarregados de cuidar de quem necessitava. Significa: "aquele que cuida".
Hoje, chamamos terapêutica, toda a forma de cuidado assistido.
O cuidado terapêutico com o outro deve, necessariamente, gerar a transformação de quem é cuidado. Porém, para que isso ocorra, o cliente deve estar disponível, aberto para o processo. Sem a entrega do cliente, a transformação não acontece. Sendo assim, afirmamos que 50% da resposta da terapia é do cliente, os outros 50% são méritos distribuídos, inclusive com o terapeuta, mas não apenas por ele.

Por que chamar o terapeuta de facilitador?
O termo "facilitador" foi acolhido por mim ao longo de 10 anos, quando fui aluna de Biodanza. Foi na Biodanza que ouvi o termo ser usado pela primeira vez, na incumbência de quem estava conduzindo o grupo. Achei fantástica a aplicação do termo ao trabalho. Acredito que sempre que estamos sob a responsabilidade de condução de qualquer projeto, somos os facilitadores daquele processo.

A quem se destina?
A qualquer pessoa que deseja (re)pensar a sua vida e criar novas possibilidades, mais potentes, para vivenciar seu percurso a sua maneira e não como os outros gostariam que fosse.
Aos adolescentes, em especial, o trabalho pode ser destinado a escolha da carreira. E, neste caso, o comprometimento precisa ser do adolescente, muito mais do que da família, uma vez que trabalharemos com a desconstrução dos valores de base, na intenção de encontrar o projeto de vida que mais vai ao encontro das aspirações do cliente e não da família.


* Usei o termo "pais" por entender que, hoje, a criança, ao nascer, é acolhida por diferentes formas de maternidade/paternidade.

Cláudia Barbeito
Educadora, Especialista em História da Filosofia, com mestrado e créditos de doutorado em Filosofia

Saúde Mental - Rubem Alves

Fui convidado a fazer uma preleção sobre saúde mental. Os que me convidaram supuseram que eu, na qualidade de psicanalista, deveria ser um especialista no assunto. E eu também pensei. Tanto que aceitei. Mas foi só parar para pensar para me arrepender. Percebi que nada sabia. Eu me explico. Comecei o meu pensamento fazendo uma lista das pessoas que, do meu ponto de vista, tiveram uma vida mental rica e excitante, pessoas cujos livros e obras são alimento para a minha alma. Nietzsche, Fernando Pessoa, van Gogh, Wittgenstein, Cecília Meireles, Maikóvski. E logo me assustei. Nietzsche ficou louco. Fernando Pessoa era dado à bebida. van Gogh se matou. Wittgenstein se alegrou ao saber que iria morrer em breve: não suportava mais viver com tanta angústia. Cecília Meireles sofria de uma suave depressão crônica. Maiakóvski suicidou. Essas eram pessoas lúcidas e profundas que continuarão a ser pão para os vivos muito depois de nós termos sido completamente esquecidos. Mas será que tinham saúde mental? Saúde mental, essa condição em que as idéias se comportam bem, sempre iguais, previsíveis, sem surpresas, obedientes ao comando do dever, todas as coisas nos seus lugares, como soldados em ordem unida, jamais permitindo que o corpo falte ao trabalho, ou que faça algo inesperado, nem é preciso dar uma volta ao mundo num barco a vela, basta fazer o que fez a Shirley Valentine (se ainda não viu, veja o filme!), ou ter um amor proibido ou, mais perigoso que tudo isso, que tenha a coragem de pensar o que nunca pensou. Pensar é coisa muito perigosa... Não, saúde mental elas não tinham. Eram lúcidas demais para isso. Elas sabiam que o mundo é controlado pelos loucos e idiotas de gravata. Sendo donos do poder, os loucos passam a ser os protótipos da saúde mental. É claro que nenhuma mamãe consciente quererá que o seu filho seja como van Gogh ou Maiakóvski. O desejável é que seja executivo de grande empresa, na pior das hipóteses funcionário do Banco do Brasil ou da CPFL. Preferível ser elefante ou tartaruga a ser borboleta ou condor. Claro que nenhum dos nomes que citei sobreviveria aos testes psicológicos a que teria de se submeter se fosse pedir emprego. Mas nunca ouvi falar de político que tivesse stress ou depressão, com exceção do Suplicy. Andam sempre fortes e certos de si mesmos, em passeatas pelas ruas da cidade, distribuindo sorrisos e certezas. Sinto que meus pensamentos podem parecer pensamentos de louco e por isso apresso-me aos devidos esclarecimentos. Nós somos muito parecidos com computadores. O funcionamento dos computadores, como todo mundo sabe, requer a interação de duas partes. Uma delas se chama hardware, literalmente coisa dura e a outra se denomina software, coisa mole. A hardware é constituída por todas as coisas sólidas com que o aparelho é feito. A software é constituída por entidades espirituais - símbolos, que formam os programas e são gravados nos disquetes. Nós também temos um hardware e um software. O hardware são os nervos, o cérebro, os neurônios, tudo aquilo que compõe o sistema nervoso. O software é constituído por uma série de programas que ficam gravados na memória. Do mesmo jeito como nos computadores, o que fica na memória são símbolos, entidades levíssimas, dir-se-ia mesmo espirituais, sendo que o programa mais importante é linguagem. Um computador pode enlouquecer por defeitos no hardware ou por defeitos no software. Nós também. Quando o nosso hardware fica louco há que se chamar psiquiatras e neurologistas, que virão com suas poções químicas e bisturis consertar o que se estragou. Quando o problema está no software, entretanto, poções e bisturis não funcionam. Não se conserta um programa com chave de fenda. Porque o software é feito de símbolos, somente símbolos podem entrar dentro dele. Assim, para se lidar com o software há que se fazer uso de símbolos. Por isso, quem trata das perturbações do software humano nunca se vale de recursos físicos para tal. Suas ferramentas são palavras, e eles podem ser poetas, humoristas, palhaços, escritores, gurus, amigos e até mesmo psicanalistas. Acontece, entretanto, que esse computador que é o corpo humano tem uma peculiaridade que o diferencia dos outros: o seu hardware, o corpo, é sensível às coisas que o seu software produz. Pois não é isso que acontece conosco? Ouvimos uma música e choramos. Lemos os poemas eróticos do Drummond e o corpo fica excitado. Imagine um aparelho de som. Imagine que o toca-discos e acessórios, o software, tenha a capacidade de ouvir a música que ele toca, e de se comover. Imagine mais, que a beleza é tão grande que o hardware não a comporta, e se arrebenta de emoção! Pois foi isso que aconteceu com aquelas pessoas que citei, no princípio: a música que saía do seu software era tão bonita que o seu hardware não suportou. A beleza pode fazer mal à saúde mental. Sábias, portanto, são as empresas estatais, que têm retratos dos governadores e presidentes espalhados por todos os lados: eles estão lá para exorcizar a beleza e para produzir o suave estado de insensibilidade necessário ao bom trabalho. Dadas essas reflexões científicas sobre a saúde mental, vai aqui uma receita que, se seguida à risca, garantirá que ninguém será afetado pelas perturbações que afetaram os senhores que citei no início, evitando assim o triste fim que tiveram. Opte por um software modesto. Evite as coisas belas e comoventes. Cuidado com a música. Brahms e Mahler são especialmente perigosos. Já o roque pode ser tomado à vontade, sem contra indicações. Quanto às leituras, evite aquelas que fazem pensar. Há uma vasta literatura especializada em impedir o pensamento. Se há livros do Dr. Lair Ribeiro, por que arriscar-se a ler Saramago? Os jornais têm o mesmo efeito. Devem ser lidos diariamente. Como eles publicam diariamente sempre a mesma coisa com nomes e caras diferentes, fica garantido que o nosso software pensará sempre coisas iguais. A saúde mental é um estômago que entra em convulsão sempre que lhe é servido um prato diferente. Por isso que as pessoas de boa saúde mental têm sempre as mesmas idéias. Essa cotidiana ingestão do banal é condição necessária para a produção da dormência da inteligência ligada à saúde mental. E, aos domingos, não se esqueça do Sílvio Santos e do Gugu Liberato. Seguindo esta receita você terá uma vida tranquila, embora banal. Mas como você cultivou a insensibilidade, você não perceberá o quão banal ela é. E, ao invés de ter o fim que tiveram os senhores que mencionei, você se aposentará para, então, realizar os seus sonhos. Infelizmente, entretanto, quando chegar tal momento, você já não mais saberá como eles eram. (Provavelmente escrito em 1994)