Qualidade Vivida

domingo, 3 de junho de 2012

Sobre a paixão dos primeiros matemáticos, sob o olhar de um matemático e a escuta da filosofia...


"Minha liberdade consiste em me movimentar dentro do espaço estreito que designei para mim em cada empreitada".
Stravinsky

As viagens de Marcus du Sautoy e a sua paixão pela Matemática... Fiquei bastante envolvida por esse vídeo que a BBC preparou. Por conta disso, aceitei o convite de alguns ex-alunos da Matemática e dei uma revisitada em alguns filósofos matemáticos! Foi de arrancar o fôlego... Espero que gostem.
 
A matemática está em nossas vidas desde sempre. A história que segue é fascinante, envolvente e só ratifica o meu amor pela filosofia.
Existe uma relação entre as coisas e uma conexão causal que as faz existir tal como são. A matemática é uma ciência que alicerça todas as outras nessa engrenagem. Sendo assim, ela é a mais importante? Não! Ela é mais uma, absolutamente necessária, dentro do complexo. Casa sem alicerce fica vulnerável, mas alicerce sem casa não abriga ética alguma.
Marcus du Sautoy nos convida a viajar através do tempo e do espaço, seguindo os passos da matemática desde a sua origem até a robótica (não falarei disso aqui), conduzindo o nosso pensamento a compreender o mundo matematicamente.
O argumento: 'o nosso mundo é feito de padrões e sequências'
- dia e noite; viagem dos animais que variam de padrões; mudança das estações alterando as paisagens...
"A matemática surge pela necessidade de encontrarmos uma forma de dar sentido a esses padrões naturais".
Ué... Mas essa não é a frase que caracteriza o nascimento da filosofia?
Mais ou menos. O interessante é que os primeiros filósofos Ocidentais foram matemáticos, e isso não se deve ao acaso!
Embora os princípios que regem a matemática - os padrões e sequências - encontrem-se enraizados no nosso cérebro através dos conceitos básicos de espaço e quantidade (foi o ser humano, através da racionalidade - é isso que nos diferencia dos outros seres da natureza - que decodificou esses conceitos básicos), podemos verificar que também os animais têm noções de distância e número, e isso se dá pela necessidade de sobrevivência das espécies. Sim... Os animais fazem cálculos quando estão em perigo, como, por exemplo, quando precisam verificar a distância entre ele a presa.

E o que é ser racional? É ser capaz de organizar o pensamento e reproduzi-lo em linguagem de construção, capaz de fazê-lo criar e transformar o que está a sua volta. Nenhum outro animal, exceto o humano, foi capaz, ainda, de inventar algo, independente de sua necessidade orgânica - para além dela, inclusive. A essa capacidade chamamos de racionalidade.
A racionalidade nos permite 'detectar padrões e fazer ligações', e foi assim que a matemática nasceu como disciplina; ou seja, quando começamos a estabelecer relações causais entre as coisas existente na natureza, e verificamos os efeitos por elas produzidos - a famosa relação de causa e efeito.
O documentário, que estou transcrevendo, nos mostra didática e historicamente, que a matemática que conhecemos hoje nasceu no Egito, por volta de 6000 a.C, às margens do rio Nilo, onde existiam condições perfeitas para a agricultura.

A partir da primeira inundação do rio, o povo que ali habitava, percebeu que essa inundação acontecia dentro de um padrão de tempo e eles usaram-na para indicar cada novo ano. Isso era importante para a gestão da terra e para a religião também, uma vez que eles acreditavam que era o deus do rio - Hapi, o responsável por essa inundação do Nilo, trazendo água abundante para a plantação próspera.

"Os egípcios registravam o que acontecia durante períodos de tempo, e para estabelecer um calendário como este, era preciso contar, por exemplo, quantos dias decorriam entre fases lunares, ou quantos dias distavam entre duas inundações do Nilo."(Dra. Annette Imhausen - Universidade de Cambridge) 

Conforme a população foi crescendo, foi sendo necessário expandir para terras mais distantes do Nilo, assim "era preciso calcular as áreas de terra, prevê a produção de colheitas, declarar e cobrar os impostos, em suma, as pessoas precisavam de contar e medir."
Os Egípcios usavam seus corpos como unidade de medida.


O sistema decimal foi criado pelos egípcios. Eles se baseavam nos 10 dedos das nossas mãos.




Conforme o tempo foi passando e as quantidades foram aumentando, houve a necessidade de novas representações. Estas eram feitas através de gestos, símbolos, palavras... cada uma conforme o seu povo e a sua maneira de representar.



Havia uma falha no sistema numérico egípcio: 'não tinha o conceito de valor posicional'. Apesar disso, eles 'eram brilhantes em resolver problemas'.
Graças ao documento que sobreviveu com o tempo conseguimos saber dessas coisas. Graças ao papiro matemático de Rhind - documento mais importante - sabemos hoje sobre a matemática egípcia - inclusive sobre multiplicação e divisão.

CURIOSIDADE: "Os egípcios entenderam o poder do sistema binário mais de três mil anos antes de o matemático e filósofo Leibniz revelar o seu potencial".

"Hoje, todo o mundo tecnológico depende dos mesmos princípios que eram usados no Antigo Egíto."

Quem escreveu o papiro de Rhind? Um escriba chamado Ahmes, por volta de 1615 aC.

CURIOSIDADE 2: Os egípcios tinham que resolver seus problemas do cotidiano, tais como: dividir o pão que iam comer, e faziam isso sem brigar. E eles encontraram a solução para esse problema. Eram 10 pessoas para cada 9 pães. Eles, então, davam a cada pessoa 1/2 + 1/3 + 1/15 do pedaço do pão! Estamos diante de uma matemática mais abstrata em desenvolvimento prático!

As primeiras representações das frações surgem por um hieróglifo que tinha um valor místico. Tem o nome de 'olho de Hórus' - um deus do Reino Antigo, representado como metade homem, metade falcão.
"Segundo a lenda, o pai de Hórus foi morto pelo seu outro filho Seth. Hórus estava determinado a vingar o assassinato. Durante uma batalha particularmente violenta, Seth arrancou os olhos de Hórus, desfê-lo em pedaços e espalhou-o pelo Egito. Mas os deuses estavam do lado de Hórus e apanharam os pedaços espalhados e reconstruíram o olho. Cada parte do olho representava uma fração diferente, cada uma é metade da fração anterior. Embora o olho original representasse uma unidade, ao olho montado falta 1/64. Embora os egípcios parassem na fração 1/64, está implícita nessa imagem, a possibilidade de adicionar mais frações, dividindo-as por dois cada vez, a soma vai ficando cada vez mais perto da unidade, mas nunca consegue alcançá-lo."

Eis a primeira pista para as 'séries geométricas'. Mas são os matemáticos da Ásia que descobrem sobre o conceito de séries infinitas, séculos depois.

São os egípcios que dão o primeiro valor exato ao Pi. Mas, mais fantástico que isso é que eles partiram da forma mais simples do círculo para compreenderem a configuração maior...

                                             (foto de um asteroide no espaço)

Porém, os egípcios têm um símbolo misterioso: a pirâmide

Os matemáticos acreditam que por existir uma relação de simetria escondida em suas formas, as pirâmides escondam a fórmula para criar formas perfeitas. Elas podem esconder o conceito matemático para a Relação de Ouro.

"Diz-se que dois comprimentos têm uma relação de ouro se a relação entre o mais longo e o mais curto for igual a soma dos dois com o lado mais longo."

Essa relação tem sido associada às proporções perfeitas encontradas no mundo natural, bem como nas artes...

"O número de ouro traduz a proporção geométrica mais conhecida e usada na pintura, escultura e arquitetura clássicas, renascentistas e pós-modernistas que se baseia no seguinte princípio:

"seccionar um segmento de recta de tal forma que a parte menor esteja para a maior como este está para o todo".

Leonardo da Vinci, um homem de ciência afirmava que a arte deveria manifestar por ela própria um movimento contínuo e beleza. Para se atingir este fim, Leonardo utilizou extensivamente o retângulo de Ouro nas suas obras." (http://www.educ.fc.ul.pt/icm/icm99/icm17/curiosidouro.htm)

Outra ideia que os egípcios anteciparam encontra-se no "Papiro de Moscovo"


A fórmula para o volume de uma pirâmide com o topo cortado, apresenta os primeiros sinais de aplicação do Cálculo.

Como eles conseguiram derivar a sua fórmula?
"Uma pirâmide, construída de modo a que o ponto mais alto esteja diretamente sob um canto. Três destas podem ser unidas para formar uma caixa retangular, de modo a que o volume desta pirâmide inclinada seja 1/3 do volume da caixa. Isto é, a altura vezes o comprimento, vezes a largura, dividido por 3."



Os egípcios inauguraram, mas outros povos também fizeram matemática de maneira surpreendente. Os Árabes! 
Damasco era a cidade que ligava a antiga mesopotâmia ao Egito. "Os Babilônios controlavam muito daquilo que é hoje o Iraque, o Irã e a Síria, desde 1800 aC de modo a expandir e gerir o seu império... Os Babilônios adoravam matemática."
Os Babilônios também usavam a matemática para resolver problemas práticos, do cotidiano, relacionados com medições e pesagens. Eles não usavam o sistema decimal, como os egípcios, mas o sexagesimal. Eles inventaram o seu sistema numérico, como os egípcios - usando os dedos. Porém, de outra forma... Eles usavam os doze nós de uma mão e os cinco dedos da outra:

"Note que num sistema numérico com 60 números se podem usar facilmente as mãos para contar. Para indicar um número até 12, o polegar da mão direita pode ser pousado numa das falanges dos outros dedos. E, como cada dedo tem 3 falanges, o total dos 4 dedos correspondem a 12. Quando se termina uma dúzia, estende-se um dos dedos da mão esquerda. Como há 5 dedos: 5 X 12 = 60" (http://to-campos.planetaclix.pt/calendario.htm)

O numero 60 podia ser dividido de diferentes maneiras e isso proporcionava a base perfeita para fazer aritmética. Essa é a base que está no nosso cotiano, como as horas, por exemplo.

CURIOSIDADE 3: Os Babilônios desejavam cartografar o movimento do céu.
"O seu calendário era baseado nos ciclos da lua. Como precisavam de um modo de registrar números astronomicamente grandes, estes ciclos eram registrados mês após mês, ano após ano. Por volta de 800 aC, já existiam listas completas com os eclipses lunares... O sistema de medição babilônio era muito sofisticado, tinham um sistema de medição angular, 360º num círculo completo, em que cada grau se dividia em 60 minutos e 1 minuto era dividido em 60 segundos. Por isso tinham um sistema retangular de medição que estava em perfeita harmonia com o seu sistema numérico, e como tal estava adaptado não só para observação, mas também para os cálculos." (Jim Carlson - Instituto de matemática Clay)   

Eles criaram ainda um número novo para lidar com essas grandes proporções: o zero! Ele era o nada no meio dos números.
Os Babilônios usavam a matemática pelo simples prazer de resolver problemas práticos! Eles eram apaixonados pela matemática... Eram jogadores ávidos por solucionar problemas. Os números eram usados no tempo de lazer... A habilidade com os números era usada para vencer os oponentes, nos jogos. Por isso usavam o tempo livre para fazer contas.

O triângulo retângulo deve ter sido descoberta dos Babilônios. Por quê? Através da tábua antiga mais famosa - a Plimpton 322


Talvez os Babilônios já conhecessem o princípio por detrás dos triângulos retângulos: "que o quadrado da diagonal é a soma dos quadrados dos lados e que o sabiam séculos antes de os gregos o reivindicarem." Esta tábua mostra que alguém detinha conhecimento profundo de como os números se relacionavam. Será que os Babilônios foram os primeiros guardiões do Teorema de Pitágoras? Talvez, mas...
"... podia existir uma explicação muito mais simples para o conjunto de três números que satisfazem o Teorema de Pitágoras. Não é uma explicação sistemática dos termos pitagóricos, é simplesmente um professor de Matemática a realizar cálculos com o objetivo de produzir números muito simples de modo a apresentar aos seus alunos problemas sobre triângulos retângulos, e nesse sentido, é apenas acidentalmente que reflete os termos pitagóricos."

É numa placa com um exercício escolar (com quase 4 mil anos) que revela que os Babilônios realmente sabiam sobre triângulos retângulos. Usa o princípio do teorema de Pitágoras para encontrar o valor de um novo número. Nasce, o que conhecemos hoje como número irracional, a partir da raiz quadrada de dois.
"Se escrevermos com casas decimais ou mesmo sexagesimais, nunca acaba, os números continuam para sempre depois da vírgula decimal."

São grandes as implicações desse cálculo, a saber:
1º - os Babilônios sabiam algo sobre o teorema de Pitágoras, mil anos antes de Pitágoras;
2º - mesmo tendo conseguido calcular este número com uma exatidão de quatro casas decimais, apresenta uma habilidade aritmética e uma paixão pelo detalhe matemático fora do comum.   

Pois é... "Mas os Gregos também eram apaixonados pela Matemática, além de colonizadores inteligentes. Eles aproveitavam o melhor das civilizações que conquistavam, para fazer avançar o seu próprio poder e influência, mas cedo começaram a dar a sua contribuição".

Sabem qual foi o presente que os gregos nos deram? Não, não foi o cavalo de madeira... rsrsrsr
Foi o poder da prova! Eles decidiram que tinha que haver um sistema dedutivo para a sua matemática, e tal sistema "consistia em começar com certos axiomas que se assumem serem verdadeiros, como se assume que certos teoremas são verdadeiros sem os provar, e depois usando métodos lógicos e passos bem pensados, a partir desses axiomas provavam teoremas, e a partir desses teoremas provavam mais teoremas." (Prof. Christopher Anagnostakis - Colégio Albertus Magnus)

Eis a força da Matemática: A PROVA!

Para du Sautoy, a matemática grega foi sempre heroica e romântica.

As lendas de Pitágoras... 

"As lendas que rodeiam a sua vida e trabalho contribuíram par ao estatuto de celebridade que conquistou nos últimos 2 mil anos. É-lhe atribuído, justa ou injustamente, o mérito ter iniciado a metamorfose da Matemática como ferramenta para a contabilidade, para os assuntos analiticos que conhecemos hoje."

Pitágoras não deixou nenhum registro matemático, por isso muitos questionam se ele realmente resolveu qualquer um dos teoremas que lhe são atribuídos.
No séc. IV aC ele fundou uma escola, em Samos, mas os seus ensinamentos eram considerados suspeitos e os pitagóricos uma seita bizarra. 

Dra. Serafina Coumo - Imperial College, diz que "existem evidências de que havia escolas de pitagóricos, e que se poderão ter parecido mais com seitas do que aquilo que associaríamos a escolas filosóficas, porque não partilhavam apenas conhecimento, também partilhavam de um modo de vida. Terão vivido em comunidade e parece que todos se envolviam na política das suas cidades. Uma característica que os tornava invulgares no Mundo Antigo era o fato de incluírem mulheres."

O que é conhecido como teorema de Pitágoras enuncia que se pegarmos em qualquer triângulo retângulo e construirmos quadrados em todos os seus lados, então a área do quadrado maior é igual a soma dos quadrados nos dois lados mais pequenos.  

du Sautoy diz que para ele "foi neste ponto que nasceu a matemática e se abriu um caminhos entre as outras ciências, e aprova do teorema é tão simples como devastadora nas suas implicações."


... O quadrado da hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos catetos (outros lados) - Teorema de Pitágoras

A partir daqui o vídeo foi transcrito... Alguns leves toques meus, convidados pelo teclado... rsrs

Pitágoras pode não ser o autor de tudo o que lhe atribuíram, mas du Sautoy está convencido de que uma teoria é dele: a que tem que ver com música e coma a descoberta das séries harmônicas. 

"Conta a história que um dia, ao passar por um ferreiro, Pitágoras ouviu malhos a baterem em bigornas e apercebeu-se como as notas que eram produzidas soavam em perfeita harmonia. Ele acreditava que devia existir uma explicação lógica para fazer sentido do porquê as notas soarem tão apelativas. A resposta estava na matemática. Ao experimentar com um instrumento de cordas, Pitágoras descobriu que os intervalos entre as notas musicais harmoniosas eram sempre representadas como razão de números inteiros. E eis como ele terá construído a sua teoria. Primeiro toquemos uma nota na corda solta. Depois com metade do comprimento. A nota é quase igual à primeira, de fato é uma oitava mais alta, mas a relação é tão grande que damos o mesmo nome a estas duas notas. Agora, toquemos a 1/3 do comprimento. Obtemos outra nota que soa harmoniosa quando comparada com as outras duas. Mas se tocamos num cumprimento da corda que não seja produto duma relação de números inteiros tudo o que obtemos é dissonância. De acordo com a lenda, Pitágoras ficou tão excitado com esta descoberta que concluiu que todo o Universo era construído de números. Mas ele e os seus discípulos iriam enfrentar um desafio perturbador da sua visão de mundo, que apareceu como resultado do teorema que tem o nome de Pitágoras. Conta a lenda que um dos seus seguidores, um matemático chamado Hípaso, propôs-se a encontrar o comprimento da diagonal de um triângulo retângulo com dois lados de 1 unidade. O teorema de Pitágoras implicava que o cumprimento da diagonal seria um número cujo o quadrado seria 2. Os pitagóricos assumiram que a resposta seria uma fração, mas quando Hípaso tentou exprimi-la dessa forma, por muito que tentasse não conseguia alcança-la. Até que, por fim, apercebeu-se de seu erro, era a suposição de que o valor seria uma fração, o que era de todo errado. O valor da raiz quadrada de 2 era o número que os Babilônios gravaram na Tábua de Yale, porém eles não repararam na característica especial deste número. Mas Hípaso reparou era um número irracional."

Sabem o que Pitágoras fez? Obrigou a sua seita a guardar segredo, mas Hípaso deu a conhecer a descoberta e foi afogado por ter denunciado as pesquisas do grupo.
O problema que essas descobertas matemáticas não podiam ser suprimidas facilmente. Escolas de Filosofia e Ciência começaram a florescer por toda a Grécia, construídas sobre estas fundações. A mais famosa destas escolas era a Academia. Platão fundou esta escola em Atenas, 387 a.C. Embora hoje pensemos nele como um filósofo, Platão foi um dos patronos mais importantes da Matemática.
Platão estava arrebatado pela visão pitagórica do mundo e considerava a matemática a fundação do conhecimento. Há quem diga que Platão foi, possivelmente, a figura mais influente para a nossa percepção da matemática grega. Ele defendia que a Matemática é uma forma importante de conhecimento, tendo por isso uma ligação com a realidade. Então, conhecendo a Matemática, sabemos mais sobre a realidade.

Em Timeu, Platão propõe a tese de que a Geometria é a chave para resolver os segredos do Universo, uma visão ainda hoje defendida pelos cientistas. De fato, a importância que Platão deu à Geometria encontrava-se encapsulada na frase que estava exposta por cima da Academia:

"Que nenhum ignorante de Geometria aqui entre"
Céus, eu nem passaria perto, então!
P.S.: como Platão era arrogante... Um gênio, mas arrogante!

"Platão propões que o Universo podia ser cristalizado em cinco formas regulares e simétricas, o que hoje chamamos de 'sólidos platônicos', eram compostas por polígonos regulares, montados para criar objetos simétricos tridimensionais. O tetraedro representava o fogo. O icosaedro, feito a partir de 20 triângulos, representava a água. O estável cubo era a terra.  O octaedro, com 8 faces, era o ar. O quinto e sólido platônico, o dodecaedro, feito a parti de 12 pentágonos, estava reservado para a forma que capturava a visão de Platão do Universo.  




A teoria de Platão teria uma influência sísmica e continuaria a inspirar matemáticos e astrônomos, durante mais de 1500 anos. Para além dos avanços produzidos na Academia, também emergiam triunfos matemáticos na orla do Império Grego, e deviam tanto à herança matemática dos Egípcios como à dos Gregos. Alexandria tornou-se num ponto central de excelência acadêmica sob o regime dos Ptolomeus, no séc. II a.C., e a sua famosa biblioteca, cedo ganhou uma reputação que rivalizava com a academia de Platão. 
Os reis de Alexandria estavam preparados para investir nas artes, na cultura, na tecnologia, na Matemática e na gramática,  porque o mecenato com as aspirações culturais era uma maneira de mostrar que um governante tinha prestígio e que era digno da grandeza. 
A antiga biblioteca e todo o seu precioso conteúdo, foram destruídos quando os muçulmanos conquistaram o Egito, no séc. VII, mas o seu espírito está vivo num novo edifício. Hoje a biblioteca permanece um lugar de descoberta e sabedoria. 
Matemáticos e filósofos afluíam a Alexandria atraídos pele sede de conhecimento e pela procura de excelência. Os patronos da biblioteca foram os primeiros cientistas profissionais, indivíduos que eram pagos pela sua devoção à investigação. Mas de todos esses primeiros pioneiros, o herói de du Sautoy é o enigmático matemático grego, Euclides. 
Sabemos muito pouco sobre a vida de Euclides, mas os seus maiores feitos foram obtidos enquanto cronista da Matemática. Por volta do ano 300 a.C., ele escreveu o compêndio mais importante de todos os tempos: "Os Elementos". Em Os Elementos, encontramos o culminar da revolução matemática que ocorrera na Grécia. Baseia-se em uma série de suposições matemáticas chamadas "axiomas". 
Por exemplo: uma linha pode ser desenhada entre quaisquer dois pontos. A partir desses axiomas, são feitas deduções lógicas e estabelecidos teoremas matemáticos. "Os Elementos" contém fórmulas para se calcular os volumes dos cones e cilindros, demonstrações sobre séries geométricas, números perfeitos e números primos. O clímax do "Os Elementos" é uma prova da existência de apenas cinco sólidos platônicos. Para du Sauroy este teorema captura o poder da matemática. Uma coisa é construir cinco sólidos simétricos, a outra completamente diferente é arranjar um argumento lógico e irrefutável, do porquê de não poder existir um sexto. "Os Elementos" desenrola-se como um romance de mistério lógico e maravilhoso, mas essa é uma história que transcende o tempo. As teorias científicas são ultrapassadas de uma geração para outra, mas os teoremas em "Os Elementos" são tão verdadeiros hoje  como o eram há 2 mil anos. 
Quando se pensa nisto é realmente espantoso que estes são os mesmos teoremas que ensinamos, podemos ensiná-los de uma forma ligeiramente diferente, ou podemos organizá-lo de uma forma diferente, mas é a geometria euclidiana que ainda é válida, e até na matemática avançada, quando entramos em espaços de dimensões superiores, ainda usamos a geometria euclidiana. 

Alexandria deve ter sido um lugar inspirador para os sábios antigos, e a fama de Euclides terá atraído ainda mais intelectuais jovens e ávidos ao porto egípcio. Um matemático que gostava especialmente do ambiente intelectual em Alexandria era Arquimedes. Tornar-se-ia num visionário matemático. 

Os melhores matemáticos gregos estavam sempre a expandir os limites, a procurar o desconhecido. Então, Arquimedes fez o que pôde com polígonos, com sólidos, passando depois para o centro de gravidade e mais tarde para o espiral. Este instinto de tentar "matematizar" tudo é um legado. 
Uma das especialidades de Arquimedes eram as armas de destruição em massa. Foram usadas contra os Romanos quando estes invadiram a sua Siracusa natal, em 212 a.C. Também desenhou espelhos, que usavam o poder do Sol para queimar os barcos romanos. Mas para Arquimedes estes trabalhos eram apenas diversões em geometria, ele tinha ambições mais grandiosas. 
Arquimedes estava fascinado pela matemática pura e acreditava no estudo da Matemática pelo seu valor, e não pelo ofício desprezível da engenharia ou pela infame procura de lucro. Uma de suas melhores investigações sobre a matemática pura, foi produzir fórmulas para calcular as áreas de formas regulares. O método de Arquimedes era capturar novas formas a partir das formas que já entendia. Por exemplo, para calcular a área de um círculo, ele colocava-o dentro de um triângulo, e ao duplicar o número de lados do triângulo, a forma exterior ia ficando cada vez mais parecida com o círculo, e de fato, por vezes denominamos o círculo como um polígono com um número infinito de lados. Mas ao estimar a área do círculo, Arquimedes estava de fato a calcular um valor para Pi, o número mais importante na Matemática.
Porém, foi no cálculo de volumes de objetos sólidos que Arquimedes se destacou. Encontrou uma forma de calcular o volume duma esfera cortando-a em fatias e aproximando cada fatia a um cilindro. Depois, somou os volumes das fatias para obter um valor aproximado do volume da esfera. Mas o seu golpe de gênio foi ver o que acontecia ao tornar as fatias cada vez mais finas. No limite, a aproximação torna-se um cálculo exato. Mas foi a dedicação de Arquimedes à Matemática que o levou à desgraça. Arquimedes contemplava um problema sobre círculos traçados na areia quando um soldado romano o abordou. Arquimedes estava tão absorto no seu problema que insistiu para que lhe fosse permitido terminar o seu teorema. Mas o soldado romano não estava interessado no problema de Arquimedes e matou-o mesmo ali (existem outras versões, mas essa é mais famosa). Até na morte, a devoção de Arquimedes à Matemática foi inabalável.    

      
Em meados do séc. I a.C., os romanos tinham apertado o seu domínio sobre o velho Império Grego. Não eram tão entusiastas com a beleza da Matemática, mas mais preocupados com as suas aplicações práticas. Esta atitude pragmática assinalou o princípio do fim para a grande biblioteca de Alexandria.

Mas um matemático estava determinado a manter vivo o legado dos gregos. Hipátia era excepcional, uma mulher matemática e uma pagã no devoto Império Romano cristão."

CURIOSIDADE 4: Hypatia foi vivida no cinema por Rachel Weisz, no filme: "Alexandria" de Alejandro Amenábar, em 2009

Hypatia foi uma mulher que questionou tudo, inclusive a própria fé, por isso não se identificava com religião alguma. Sua única crença era na Filosofia!

Ela "detinha muito prestígio e influência no seu tempo. Era uma professora com muitos alunos e seguidores. Era politicamente influente em Alexandria, e foi essa combinação de grande sapiência e grande prestígio que a pode ter tornado numa figura odiada pela população cristã. Uma manhã, durante a Quaresma, Hipátia foi arrastada do seu carro por uma multidão cristã fervorosa e levada para uma igreja. Aí, foi torturada e brutalmente assassinada. As circunstâncias dramáticas da sua morte fascinaram gerações posteriores. Lamentavelmente, o seu estatuto de figura de culto eclipsou os seus feitos matemáticos. Foi na realidade uma brilhante professora e teórica, e a sua morte desferiu o golpe final na herança matemática grega de Alexandria".